quarta-feira, fevereiro 22

Partir

É claro que ela disse que era eterno, e eu acreditei mesmo sabendo que não era verdade, mais cedo ou mais tarde ela teria que ir embora. Assim como o dia se desfaz em noite, teria que partir. A partida não nos era fácil de engolir, porém com o tempo tornou-se sólido,  irremediável, acabamos por aceitar, e pior; com o passar dos dias, nos adaptamos, transformando tardes de sorrisos numa ininterrupta espera angustiante pelo dia em que ela partiria. Nos deixamos à esmo, desacreditamos e rescindimos muitas juras que antes eram eternas. Ela sorriu, sorriu como nunca sorrira, sorriu de deboche, pensei. Já não andava com minhas camisas, não me visitava com tanta frequência e percebi que esse era o sinal de que tanto compreendíamos quando permanecíamos em silêncio após nos amarmos. Era assim que sentíamos a sina imutável: No silêncio. Nosso amor era lindo, violento e intenso, mas quando acabava, ela se deleitava em meus braços e permanecíamos horas de olhos abertos para a realidade esmagante. Nem toda a beleza de nosso amor era capaz de nos tracejar sorrisos após nos amarmos, ficávamos imóveis, fundidos em pensamentos transcendentais que nos mostravam com fatos passados que o amor não perdura.

Ela então fingia emoções, me olhava com o rabo dos olhos – e que rabo e que olhos lindos – e se mostrava satisfeita conosco. Nosso amor jamais seria o suficiente, nosso amor não era eterno. Nosso amor não era eterno assim como todos os outros que nós e o resto do mundo vivera, vive ou viveria. Eles vêm e vão como correntezas, nos levam pedaços, nos fazem implorar por maior estadia, mas não adianta. Qualquer um com um pouco de sensatez e juízo saberia que disso não há como escapar. Ela sorriu, me beijou os lábios como há muito não beijava – que lábios, pensei – disse que precisava arrumar suas coisas e passar um tempo com sua mãe naquela cidadezinha repugnante. Eu compreendi, aceitei, dei-lhe espaço, rasguei-me por dentro. Era muito pior do que eu pensava. Vê-la ir embora era como arrancar um braço ou uma perna, sentiria aquele vazio e ficaria derrubado por muito. Ela disse que era eterno e mesmo eu sabendo que não era verdade, acreditei. E foi por esse motivo que eu passei a desprezá-la quando ela fechou a porta e foi embora.

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